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Opinião | Pão de Açúcar de Afonso Reis Cabral

"É que uma coisa boa torna-se ainda melhor antes de uma coisa má."


    Book not available in english     



Afonso Reis Cabral mistura ficção com os factos decorridos em 2006, quando um grupo de 13 jovens, entre os 12 e os 16 anos, torturaram e mataram Gisberta, uma transexual, seropositiva, que se refugiou no prédio que antigamente estava planeado ser o Pão de Açúcar.

Seguindo a premissa norte-americana, criada por Truman Capote em Sangue Frio, Cabral traz-nos o meio de uma história em que sabemos o início e o fim.

O grupo inicial, que decidiu pregar o último prego no caixão de Gi, ajudou-a, dando-lhe de comer, dando-lhe amizade.

Numa entrevista a esquerda.net (que podes ver aqui), Afonso Reis Cabral diz (e bem) algo que consiste no ato mais atroz desta narrativa e do crime -  "Morrer às mãos de amigos é muito pior do que morrer às mãos de desconhecidos."

Aqui entramos na mente perturbada, pelas circunstâncias a que foi submetido, de Rafa que recebe de Gi atenção, que não teve de ninguém. 

Parece cliché não é? 

Pois, é isso que retrata o livro. 

Rafa, um pré-adolescente adulto, tenta lidar com o facto de sentir a humanidade de ajudar um outro ser humano, em contraste com aquilo que aprendeu nas ruas: o ódio através da necessidade de estabelecer masculinidade, como o jornalista mencionou na entrevista acima mencionada - "interiorização da masculinidade".

O autor estudou todas as vertentes do caso de Gi, entrevistando conhecidos, estudando o processo, os rapazes, principalmente Fernando, que conhecia Gi desde os seus 6 anos. Pressupôs o que aconteceu para o grupo partir da ajuda e solidariedade, para a violência extrema.




Este livro não é uma justificação para a violência. 

Este livro não serve, nem justifica nada do ódio impingido a esta mulher que tanto lutou. 

Apesar de abanar a cabeça n vezes pelas atitudes destes rapazes, por aquilo que realmente aprenderam pelas circunstâncias da vida, não pude de deixar de ficar verdadeiramente enjoada com a descrição desta violência gratuita. 

O livro fala sobre Rafa, Samuel e Nélson. Sobre a realidade do mundo distorcido deles. Ver que eles não sabiam melhor mas que ainda assim, poderiam ter sido homens e combater o estereótipo:

" «Mas porque não chamamos a bófia?» esquecido de que aquilo não era coisa de se chibar."

Este livro magoou. Muito. 

Apesar de explorar a anatomia do mal que percorria o corpo de rapazes que não sabiam melhor, adorei a homenagem a Gisberta e adorei a escrita do autor.

Afonso Reis Cabral recebeu o Prémio Literário José Saramago em 2019 por esta obra - e foi mais que merecida.






Pão de AçúcarPão de Açúcar de Afonso Reis Cabral

Classificação: 4 de 5 estrelas


Comentários

  1. Tânia não me façam perguntas27 de maio de 2020 às 05:55

    Quando li este livro, fiquei a pensar em como a sociedade parece condenar, a priori, certos segmentos da sociedade. Os rapazes não conheciam carinho e Gi deu-lhes a conhecer isso e eles não souberam lidar com isso. Estavam com medo de ficar como ela. Apesar de sabermos o final, não deixou de me partir o coração. Gi, tanto no Brasil, como em Portugal, não teve uma vida fácil. Afonso fez um bom trabalho de pesquisa e ainda bem que escreveu este livro. Este livro é duro, real. A linguagem que ele usou, damn. Um dos meus preferidos. Quero acreditar que esat história teria um final diferente, caso os meninos tivessem outro tipo de educação. Porque elez erraram, mas naquela instituição ninguém lhes ensinou o que era suposto. A diferença entre o bem e o mal é essencial, especialmente em crianças sem estrutura familiar. Adorei o teu post ����

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