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Opinião | Cem Anos de Solidão de Gabriel García Márquez

“Muchos años después, frente al pelotón de fusilamiento, el coronel Aureliano Buendía había de recordar aquella tarde remota en que su padre lo llevó a conocer el hielo. Macondo era entonces una aldea de 20 casas de barro y cañabrava construidas a la orilla de un río de aguas diáfanas que se precipitaban por un lecho de piedras pulidas, blancas y enormes como huevos prehistóricos. El mundo era tan reciente, que muchas cosas carecían de nombre, y para mencionarlas había que señalarlas con el dedo".”


     Review in english     




Cem Anos de Solidão sempre foi uma obra que me intimidou muito pelo facto de que cada vez que ouvia alguém a recomendar o livro, vinha atrelado o aviso que se deve na "altura certa" e que talvez o motor não pegue à primeira ou segunda ou até mesmo terceira vez.
Li-o uma vez... e quero ler novamente.
O meu conselho, antes de entrarem para a vida de Macondo e da família Buendía, é manter a mente aberta e largar de tudo que têm como possível, real e definido pela nossa sociedade. É disto que se trata o realismo mágico que o Gabriel García Marquéz foi pioneiro. 
Quando comecei a ler as Crónicas de Uma Morte Anunciada fui armada em perdigueiro do Google ver o que era isso. 

Características:
  • Conteúdo de elementos mágicos ou fantásticos percebidos como parte da "normalidade" pelos personagens;
  • Presença de elementos mágicos algumas vezes intuitivos, mas nunca explicados;
  • Presença do sensorial como parte da percepção da realidade;
  • Realidade dos acontecimentos fantásticos, embora alguns não tenham explicação ou sejam improváveis de acontecer;
  • Percepção do tempo como cíclico ao invés de linear, seguindo tradições dissociadas da racionalidade moderna;
  • Distorção do tempo para que o presente se repita ou se pareça com o passado;
  • Transformação do comum e do cotidiano em uma vivência que inclui experiências sobrenaturais ou fantásticas;
  • Preocupação estilística, partícipe de uma visão estética da vida que não exclui a experiência do real.
Tinha que haver uma explicação lógica para escrita soberba de Márquez. Tinha que haver uma explicação para me sentir nas nuvens, fazendo parte de todas as acções e sofrer juntamente com os personagens. Uma mistura de realismo mágico e a escrita bem-humorada e inteligente do autor fez-me ficar rendida, a ponto caramelo.

Cem Anos de Solidão retrata 100 anos da vida das 7 gerações da família Buendía enquanto enfrentam a modernização trazida pelos ciganos, guerras civis partidárias do século XIX na Colômbia (baseado nas verídicas guerras civis colombianas), as consequências da exploração da companhia bananeira na cidade (mais uma vez baseado numa situação verídica - o massacre das bananeiras), incesto e a sua própria solidão que, tornando-os isolados sem capaz de demonstrar o amor, leva a negligência , por consequência a um ciclo perpétuo de solidão e incapacidade de demonstração de amor.




Há um certo nível de carácter autobiográfico que faz com o enredo tenha uma realidade mais intrincada. Desde nomes de familiares do autor, momentos da sua infância, líderes das guerras civis e a próprio massacre ocorrido na cidade-natal de Márquez. Aliás, a ideia do livro partiu de uma visita do autor com a mãe, à sua cidade-natal  de Aracataca em 1952 (Cem Anos de Solidão foi publicado em 1967).

Márquez conta uma história fantástica como se estivéssemos a ouvir o avô a contar um conto onde não há um tempo linear, onde a construção de ambientes e personagens se faz a seu tempo e de forma muito subtil. Ou quando estamos a ver um filme ou uma espécie de novela. Consegui imaginar com uma clareza extraordinária todo o enredo. Por haver imensos Aurelianos e Jose Arcadios (que faz parte do ciclo vicioso do tempo dos Buendía) tive que fazer uma árvore genealógica para acompanhar as gerações. 
Fora isso, foi uma leitura bastante agradável e deliciosa. 

Fiquei verdadeiramente maravilhada com o autor e com Cem Anos de Solidão. Fez-me sofrer, fez-me chocar, fez-me dar palmadas na testa à moda de Picard.

Poderão pensar que solidão e ser-se solitário é uma coisa triste e má. Até porque, apesar de ser um dos temas principais, o livro é muito bem-humorado. 


"Taciturno, silencioso, insensível ao novo sopro de vitalidade que sacudia a casa, (...) compreendeu, isso sim, que o segredo de uma boa velhice não é mais do que um pacto honrado com a solidão."


Ser solitário não quer dizer, de forma alguma, que há falta de atenção e de uma companhia. 
Todos nós precisamos da nossa solidão, eu sei que bem preciso e que adoro ser solitária, adoro o meu tempo sozinha, e é vital não só termos a paz e a consciência de sabermos estar sozinhos como ter um companheiro ou familiar que o entenda. 
É quando fazemos uma introspecção, muitas vezes inconscientemente, e vemos muitas situações de uma outra forma, sendo uma espécie de meditação. 
E foi isso que aconteceu com a família Buendía, ao ceder à sua solidão, que considero que sejam as suas tormentas e a tentativa de aprender a ter paz e viver com elas, negligenciaram o que também traz luz à vida. Há que haver um equilíbrio.

Em todas as leituras há sempre alguma coisa que nos faz pôr a pensar, mais que não sejam teorias, ou ligações ou justificações para os comportamentos e ações das personagens do livro. E este fez puxar pela cabeça de um modo leve e subtil. 

O justifica a solidão daquela personagem, por exemplo? 
Quais são as ligações entre uma ação e outra? 

E depois, claro, a nossa interpretação de tudo vem da base das nossas  experiências e princípios. Por isso que ler é uma ação muito pessoal e única a nós, faz parte do nosso crescimento constante. 

Não consigo dizer muito mais pelo deslumbramento que sinto. 
Ao terminar de ler a última frase, senti-me de peito apertado, de estômago apertado. Não queria deixar Macondo e os Buendía. Não porque eles são perfeitos, porque são exactamente o contrário, mas porque são maravilhosos à sua maneira, cada um deles. 







Cem Anos de SolidãoCem Anos de Solidão de Gabriel García Márquez

Classificação: 5 de 5 estrelas

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