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Opinião | A Semente do Diabo de Ira Levin

"Quando fores mais velho irás aperceber-te que há poucos atos de bondade, e distantes entre si, neste nosso mundo."


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Como contribuição para o projeto d’A Outra Mafalda, “Lê se te atreves”, em que consistia ler livros de horror no passado mês de outubro, li Rosemary’s Baby, recomendação da Mafalda.

Ira Levin escreveu o infame Rosemary’s Baby, pioneiro da literatura de horror, em 1967.

Rosemary e Guy Woodhouse, ator, mudam-se para o prédio Bramford, em Manhattan. Conhecem os seus vizinhos, Minnie e Roman Castevet, que se tornam amigos do casal. Com casa nova, novos amigos vizinhos e a carreira de Guy estar a ser bem-sucedida, o casal planeia engravidar. Não é difícil chegar à conclusão de que algo mais se passa, e que tem a ver com o Diabo, talvez seja a capa fofinha. Talvez.

Mas é isso mesmo, um livro sobre o oculto e o satanismo, em combinação com os valores da época, em que a mulher tinha apenas uma função. A luta de Deus contra o Diabo, do Bem contra o Mal.

Não posso deixar de sentir que a esmagadora maioria da literatura de horror retrata isso, essencialmente, a luta do Bem contra o Mal, através de várias vertentes. Neste caso, é do uso do satanismo e o catolicismo de Rosemary. Lentamente, conforme o comportamento do marido muda, também o de Rosemary e vemos a luta entre o que é aceitável e o reprovável, com pequenas nuances de ajuda dos dois lados, como um anjo e um demónio em cada ombro, até mesmo na questão de amor materno vs. princípios morais e religiosos.








Escrito nos anos 60, verifica-se uma ausência de feminismo como o conhecemos hoje. Rosemary é uma dona de casa, e a carreira do marido e o seu conforto vem em primeiro lugar e a personalidade, os seus desejos e sonhos dela vêm em segundo. Era a forma de pensar típica daquela altura, mas pode-se concordar em que já no século anterior havia atos de feminismo moderno. Rosemary não se contenta com a vida que tem, mas parece desprovida de personalidade.

Rosemary chega a ser violada e, apesar de que inicialmente tem uma atitude dita normal quando se sofre algo do género, eventualmente justifica os atos e aceita como algo que simplesmente não é “uma ofensa tão grande”. Entendo que a mentalidade seja diferente conforme a época em que foi escrito, mas considerando o mesmo argumento, considerando o problema social que persiste na sociedade atual na culpabilização da vítima, a atitude de Rosemary transmite revolta.

Através do ponto de vista de Rosemary, entramos num mundo sombrio e cheio de suspense, onde tudo ao redor de Rosemary tem uma influência satânica, tornando-o muito sensorial, pesado e claustrofóbico (os haters vão dizer que é um thriller psicológico). É fascinante ver pequenos pormenores que podem ser interpretados como influência negativa a Rosemary, através de métodos e características do satanismo, e os positivos através de algumas nuances que demonstram Luz, como, por exemplo, a amizade.

Definitivamente um livro intenso, capaz de deixar todos os músculos tensos. Por ter gostado tanto da escrita de Ira Levin, irei dar uma oportunidade a The Boys from Brazil e The Stepford Wives.

Caso tenham vivido debaixo de uma pedra no que diz respeito a filmes de culto (como eu, mas isso são outros quinhentos), Roman Polanski realizou o filme Rosemary’s Baby, em 1968, e tornou-se um grande sucesso de bilheteira, a par com o livro que o inspirou, publicado em 1967, escrito por Ira Levin.

O livro e filme de Rosemary’s Baby têm a fama de os elementos que estiveram associados à obra, terem sofrido “maldições” depois de o filme ter sido lançado, nomeadamente morte de um compositor e o coma de um produtor. Até se diz, que mesmo o autor não escapou ao infortúnio, ao ver-se consumido pelo sentimento de culpa por ter dado a conhecer a crença em Satanás. O sucesso de Rosemary’s Baby levou a que a ficção de horror tivesse sido catapultada para o sucesso, seguindo-se o livro O Exorcista, por exemplo.

Também associado a uma suposta maldição devido ao filme, foi Roman Polanski. Caso vos pareça que este nome vos é familiar, é porque esta associado a uma das vítimas da Família Mason, liderada por Charles Mason. Membros da Família assassinaram a mulher de Polanski, grávida de 8 meses e meio, e seus amigos, enquanto Polanski estava na Europa, em 1969. Nos anos 70, Polaski é acusado de ter drogado e violado uma rapariga de 13 anos. Depois do julgamento, onde foi sentenciado a 90 dias de avaliação psiquiátrica. Cumpriu 42 dias de prisão efetiva até ter aceite o acordo de se declarar culpado a relação sexual ilegal com um menor, em vez de violação, em troca de o restante tempo ser servido em prisão condicional. Quando soube que o juiz iria mudar de ideias e revogar a sentença para prisão efetiva de 50 anos, Polanski fugiu para a França onde raramente sai.

Na ditadura espanhola do General Francisco Franco (que durou entre 1939 e 1985), as passagens que contêm adoração a Satanás foram apagadas. Deste modo, este livro é elegível para o projeto de livros da Words à la Carte Nights.

É um livro tão interessante de se ler considerando o que se passou na vida real, mas também pelo seu conteúdo. Recomendo e eventualmente trarei o feedback das duas outras obras que quero ler do mesmo autor – The Stepford Wives e The Boys From Brazil.


Rosemary's Baby (Rosemary's Baby, #1)A Semente do Diabo de Ira Levin

Classificação: 4 de 5 estrelas


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